No primeiro passo do desvio

“Porque fiz isso Senhor? Porque caí outra vez?” – perdi as contas de quantas vezes já repeti esta oração. Desculpe a minha sinceridade assim de cara, mas estou certo de que esta não é uma experiência só minha. Quantas vezes, mesmo conscientes da tentação, nós simplesmente deixamos o bom senso e a discrição de lado e pecamos “descaradamente”, com a frieza mais calculista do mundo?

Ah! Falar do pecado é sempre coisa dolorida, constrangedora. Por isso mesmo, sei que esta é uma de nossas necessidades diárias. Aliás, como isto é difícil. Qual de nós fica à vontade quando vê suas rugas, falhas no cabelo e “sobrinhas de pele" no espelho? Imagine então se pudéssemos ver de fato quem somos! Davi bem sabia que ao homem isto é impossível. Ele diz: “Quem pode entender os seus erros? Expurga-me Tu dos que me são ocultos” (Sl 19.12).

Apesar disso, acabei descobrindo que posso ter “lampejos da minha escuridão” em alguns momentos. “Pois é do interior, do coração dos homens, que procedem os maus pensamentos, as prostituições, os furtos, os homicídios, os adultérios”, nos lembra o Senhor Jesus (Mc 7.21). Como não! Quem jamais pensaria que Abraão – o pai da fé – teria a capacidade de mentir sobre sua mulher, correndo o risco de entregá-la em adultério e ainda assim se aproveitar das regalias que recebia por sua “esperteza”? Ou que Davi – o homem segundo o coração de Deus – iria passar de um momento de preguiça e ócio para o adultério e um assassinato covardemente planejado ao longo do tempo? Ou ainda, que Pedro – um dos maiores apóstolos do Senhor – do abandono previamente avisado de seu Mestre chegaria até a tripla negação, em meio a terríveis blasfêmias? A transparência com a qual a Bíblia descreve a pecaminosidade de seus mais santos personagens choca. E eu terminei descobrindo a realidade desta descrição em minhas próprias experiências.

Imagino o que deve estar passando na sua mente agora. Não é fácil entender isto. É angustiante ter que aceitar que o maior do santos é um miserável pecador, tanto por natureza quanto por prática. Mas esta é uma das verdades centrais da Bíblia e a razão da cruz. Não existe um ser humano tão santo que não possa descer ao grau mais degradante do pecado. O que mais me assusta, entretanto, é saber que isto também é verdade a respeito de mim!

Na verdade, pecar não é uma questão de como certas coisas nos afetam. Pelo contrário, é uma questão de como reagimos diante das circunstâncias – das pessoas e coisas. “Não é o que entra pela boca que contamina o homem; mas o que sai da boca, isso é o que o contamina” (Mt 15.11). Aprendi e estou aprendendo, à duras penas, que tenho dentro de mim a fonte de todos os pecados imagináveis. Todo o mal existente neste mundo está, tomando um termo da Física, “potencializado” no coração de cada um de nós. Em outras palavras, sou capaz de cometer os piores pecados, de ser eu mesmo o corrupto avarento, o assassino covarde e o apóstata dissimulado. E para tanto, acredite, não precisaria de nada nem ninguém além de mim mesmo.

Aqui chegamos à raiz da questão. Entendi que o que faço no primeiro instante da tentação é determinante para as ações sucessivas. A forma como reajo neste primeiro instante – as justificativas que forjo para pecar ou a prudência em evitar até “a aparência do mal” (1Tl 5.22) – é decisiva. Depois de sucessivas quedas, vi que depois do primeiro passo dado em direção ao desvio, não tenho mais domínio sobre mim mesmo e, pior, não posso impor limites aos meus próprios atos. Pecar é como minar uma represa: posso escolher como, quando e onde fazer o buraco, mas não posso garantir que a represa não vai arrebentar antes de eu poder restaurar a rachadura!

Por isso mesmo, nossa batalha diária está no primeiro passo do desvio. Ali decidimos se confessamos fraqueza ou resolvemos pôr nossa força à prova. Se nos aventuramos loucamente ou sabiamente fugimos (Gn 39.12). Ali definimos quem somos! Lembremos nestas horas que, sem a oração e a ajuda do Espírito, a cruz seria um fardo pra nós, pois nenhum de nós tem condições de, sozinho, vencer a mais insignificante tentação (Jo 15.5).

Minhas experiências – extremamente dolorosas, preciso dizer – ensinaram-me a tomar uma atitude a meu respeito. Não é nada que eu tenha inventado. Está implícito na Bíblia e há muito tempo já era praticado pelos reformadores. É a autodesconfiança. Sim, isto mesmo. Descobri que sou tão mais pecador do que tenho capacidade de entender que preciso desconfiar de mim. Desconfio de meus pensamentos, palavras, ações, e acabo encontrando até nos melhores deles o orgulho, a mentira, a falsidade e tantos outros pecados escondidos. Dói em minha alma saber que sou mais podre do que tenho coragem de admitir. Então me vem a pergunta: você se conhece o suficiente pra confiar em si mesmo?

É este o meu conselho pra você também. Não tenhamos vergonha de ser zelosos. Ninguém pode ser cuidadoso demais quanto ao pecado. Desconfie de si mesmo e se agarre em Cristo. A maneira como os homens mais santos saltaram da leve tentação para por em prática seus terríveis e repulsivos desejos nos serve de prova. Assim, tenhamos muito cuidado com o primeiro passo do desvio, pois o segundo, tenha certeza, é despencar em direção a algo inevitavelmente pior.

Deus nos abençoe no amor de Cristo!

Comentários

  1. Quem somos de fato!
    Isso chega a assustar...
    Somos tão falhos,não é mesmo?Atitudes,pensamentos...aqueles que as pessoas não conhecem, mas Deus os conhece muito bem!Não podemos esconder...
    Dói muito saber que somos quem somos e estamos suscetíveis a...cair!
    Você citou algo muito importante:devemos ter cuidado com o primeiro passo do desvio...
    Graças ao nosso misericordioso Deus, podemos resistir (I cor 10:13), mas para isso, precisamos não mascarar quem somos e devemos, como você citou, nos agarrarmos em Cristo!
    E caso venhamos cair, que não permaneçamos no chão...
    Que possamos confessar nossos pecados,Deus é fiel e justo para nos perdoar dos pecados e nos purificar de toda injustiça (1Jo 1.9); e que possamos recomeçar,dessa vez mais cuidadosos com o primeiro passo...

    Deus nos ajude e nos guie pelo caminho eterno!

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  2. Muito interessante Herrisson! Coisas desse tipo são difíceis de confessarmos, pois isso fere o nosso orgulho de sermos "crentes espiritualmente maduros". Quem é forte espiritualmente? os exemplos que você citou nos responde isso, as vezes nos sentimos tão fortes que nem precisamos vigiar a nos mesmos, engano! Amei o conselho, desconfiar dos nossos pensamentos, das nossas intenções é o primeiro passo para não cairmos, o segundo é reconhecer nossos verdadeiros pensamentos e nossas verdadeiras intenções e mesmo assim estamos sucessíveis ao pecado.
    Deus te abençoe irmão!

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  3. Olá Herinssom. Parabéns pela idéia de dar forma as muitas idéias e pensamentos que nossa alma expressa. Tenho aprendido que apesar de ser quem sou, Deus me ama como sou. Nesse sentindo, procuro não cair no erro de me anular ou de me considerar o "imundo" o "lixo", mas de me ver como nova criatura em Cristo, e me vendo assim vencer-me sempre. A luta não é fácil, mas não impossível. Abração!

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