Teoria da atração

E de repente se acorda. Sensações estranhas. Mente totalmente inquieta, intranquila. O sonho tinha sido com uma figura feminina, não necessariamente com alguém que se tenha um vínculo afetivo direto. Mas, estranhamente, ela fazia parte da vida diária.

No sonho ela se envolvia com outro cara. Aí vinham ciúmes incontíveis, do tipo que surge quando não se aceita a situação de jeito nenhum. Tudo aquilo gerava uma sensação de sufocamento tão grande que faz acordar-se do nada. Então, depois de minutos de atordoamento, se pensa: “foi só um sonho, não costumo agir assim”.

Sonhos são verdadeiros enigmas. Enigmas porque trabalham sob significados enquanto estamos “desligados”. E é nessa hora que a mente costuma brincar livre.

Um sonho como este é instigante. Porque envolve sensações fora do domínio e porque transporta pro “pós-sonho” sensações muito reais. E todo este mistério faz notar como funciona a nossa relação afetiva.

Parece-me que os nossos afetos são movidos por atração, em certo sentido, como energia. Existe certo tipo de conectivo envolvido em nossas relações e toda carga de afeto é direcionar para o outro aquilo que nele nos atrai.

Daí que não acho que opostos se atraiam na vida humana - ao menos não opostos de todo. Pelo contrário, nosso magnetismo é de outro nível.

Acredito que estes canais de atração são metassencientes. Sim, isso. Que a gente consegue sentir mais do que sentimentos pelos outros. Sentimos mesmo os outros, numa verdadeira relação quântica, inconfinável no tempo-espaço.

O que creio é que o que somos vaza de nós. E é possível sentir isso, até no limbo desconhecido de um sonho. Onde mais houver ligação, mais se sente, mais se pressente, se sabe. Mesmo sem o dado físico do contato.

Acho também que costumamos “escolher” alguns sujeitos para se tornarem o foco dos nossos afetos. Mas não é que seja uma escolha consciente, é que ela me parece ser, de fato, inevitável.

Se nos baseamos uns nos outros e nossas ações são construídas pelas percepções que temos, o fascínio que os outros causam em nós é o que nos move. E é fácil pensar agora mesmo em dois ou três indivíduos que tem essa capacidade sobre nós.

Pessoas estranhamente direcionam nossos cursos. Quer dizer, desviam, contornam, vem e nos carregam.

Parece tão óbvio que, talvez por isso, se esqueça do fato que não se consegue nunca separar os afetos sentidos da vida prática.

Em outras palavras, não é fácil continuar agindo “racionalmente”. É uma pane de domínio com sensação de liberdade. E não há objetividade ou imparcialidade que torne alguém neutro, a não ser como tentativa científica de pesquisador.

Muito menos se aniquila a força exercida por um encontro arrebatador. De alguém que, mesmo contra nossa expressa disposição, consegue demandar de nós atenções não consentidas, recorrentes, como que pedindo de nós os cinco eternos minutos de loucura.

No máximo o que se consegue é se reacomodar aos poucos.

Quando uma conexão destas se estabelece, a bagunça é grande. E inegavelmente insistente.

O que me causa verdadeiro espanto é que atração gera vínculos afetivos tácitos, não declarados, como se estivéssemos numa relação de conjugalidade. Como se existisse uma teia invisível de ligações, cujos fios se aprofundam nas mais estranhas e intensas sensações.

Quando nos sentimos atraídos numa relação, estamos, em outras palavras, nos identificando, percebendo pontos de convergência – ou divergência, que também nos atrai – e assim conjugando o que nós somos com que o outro é.

É se ver dividido, compartilhado e fundido. O outro passar a ser continuação de nós mesmos. Passamos a viver duas vidas, partilhar impressões, adivinhar pensamentos e prever ações.

Daí se explicam todas as reações passionais daquele sonho. Reações, claro, que acontecem também na vida real mas, às vezes – e na maioria das vezes – de maneira silenciosa e disfarçada.

Na verdade, coisa não muito difícil de perceber. Que se veja a forma como as pessoas agem nos ambientes sociais. Como existe uma busca constante de respostas às perguntas mais essenciais que carregamos, até mesmo num papo leve jogado fora. Esperamos ser surpreendidos.

Toda relação é exercer fascínio, conseguir conexões com quem nos conquista, provocar sensações e se autoprovar na reação dos outros. E isso quando se fala de alguém que carrega em si um bom caráter.

As relações que mantemos são tensões contínuas entre associação e afastamento. O desejo, a recusa e a entrega são sempre permeados de significados ocultos, nem sempre claros, mesmo pra própria pessoa envolvida.

Afinal, precisamos sentir o gosto do desafio, a vertigem da surpresa, o friozinho na barriga. Como diz Olga Krell: “o amor é um impulso criativo e, como tal, carregado de riscos, porquanto o fim de uma criação nunca é certo. O amor é poço de incertezas”.

Assim somos nós. Você duvida?

É atração, que faz de todos nós adultos na teoria e crianças na prática.

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