Partidocracia

Brasil. Segundo turno das eleições. Aumenta ainda mais a polarização política. Bolsonaro e Haddad disputam a reta final pela presidência. Mídias sociais em guerra. O Whatsapp se consagra como principal veículo de (des)informação. Era da fake news, nome moderno da mentira. E a incerteza paira sobre o que virá.

Tenho, como tantos outros, me sentido profundamente perturbado com o estado ao qual chegamos. Com perplexidade tenho acompanhado as reações mais inusitadas de pessoas que tresloucadamente se apegaram a um ou outro candidato pelo discurso da "solução para o país".

Pior. Assisti, enojado, ao apoio institucional declarado da Igreja Evangélica a Jair Bolsonaro, símbolo das ideias mais absurdas e antidemocráticas que a nação conheceu nos últimos 30 anos, e candidato escolhido como porta-voz dos cristãos e de seus pretensos valores morais. Outros, ainda, declararam apoio incondicional a Fernando Haddad, o "poste" de Lula e representante da farsa eleitoral de uma quadrilha que pilhou o país e traiu sua própria origem como partido político, sem notar que o PT quis transformar estas eleições numa espécie de referendo popular a respeito da prisão de seu intocável, máxime líder religioso.

No Brasil tudo é efeito do partidarismo.

Recordo-me desse termo e me remeto a Filipenses 2:3. Partidarismo: estado de divisão em partes. Buscando o significado da palavra original, traduzida para partidarismo, tem-se que significa "egoísmo", "ambição egoísta". Entretanto, um pouco mais tarde, a palavra começou "a denotar uma perseguição de trabalho ou cargo político por meios desonestos. Então veio a significar "disputadores de posições" referindo-se às brigas a fim de conseguir espaço e poder"¹.

É indiscutível a aplicação prática de "nada façais por partidarismo" em nossos dias. Regada às cegas paixões do presente momento, a defesa de Deus e do evangelho foi o motivo dos ardis mais escusos para a coação moral e das brigas mais encarniçadas, e isso entre cristãos! Uma vergonha! Amizades desfeitas, famílias em crise e os interesses do Reino de Deus "em estado de subserviência a uma pauta política", como bem afirmou o pastor Antônio Carlos Costa, presbiteriano do Rio de Janeiro. Aliás, dele foram as palavras mais sensatas que ouvi neste tempo. O que ele afirma é o valor inegociável do evangelho, uma vez que "o evangelho está acima do Brasil. O evangelho está acima da democracia. O evangelho está acima do fim da corrupção no nosso país. Eu não preciso do Brasil pra encontrar sentido pra vida. O que me impede de enlouquecer, de perder a sanidade mental, é o evangelho bendito de meu Senhor e meu Salvador. Ele está acima de todos". Esse é o ponto.

A bem da verdade, quando declarou "dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus", Jesus relativizou todas as autoridades constituídas. A obediência a "César" se deve enquanto não se choca com as verdades reveladas de Deus. Se existe um absoluto a ser buscado, esse não é o Estado. A única absoluta autoridade é a autoridade de Deus. Portanto, não me julgo compelido por nenhum argumento exterior, a não ser o de minha consciência cativa a Deus. Não posso ir de encontro ao que tenho de mais caro na alma, daquilo que é o significado mais intransigível de meu ser.

É assim que, pela primeira vez em todos esses anos, decido anular meu voto. Depois de muito refletir, não encontrei um posicionamento mais coerente com o que penso do que o expresso na fala de Gilberto Natalini, torturado por Carlos Alberto Brilhante Ustra na década de 70 e, hoje, vereador paulistano pelo PV. Ele afirma que "anular o voto não é negar o voto. Não vou deixar de votar. Mas se você não tem candidatos em que você tenha o mínimo de confiança ou esperança, como que você vai depositar seu voto em quem você não vê a menor condição de representar a consciência cidadã? Não é omissão. É muita coragem de dizer que vou votar nulo".

Não apenas ele, mas tantos outros o farão e assim o fizeram, como o saudoso (e incompreendido) político Dr. Enéas Carneiro. Assim, Natalini arremata que "o voto nulo é um instrumento democrático das eleições. Significa que você não se satisfaz com o que sobrou. Não acredito em Bolsonaro por ser um arauto da tortura nem no PT por ter sido a organização que assaltou os cofres públicos e levou o Brasil a essa crise civilizatória pela qual está passando".

Contudo, minha posição não é de resignação. É, antes, segundo o é o Espírito do evangelho, a da autêntica subversão, operada por esta inexplicável e irremediável insistência do amor divino. Sigo em frente. Afinal, nada traz mais luz do que a ação do amor no tempo. E os anos trarão prova de tudo.

Deus tenha misericórdia do nosso Brasil.
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¹In: ARAÚJO, Marcos Henrique de. Exegese de Filipenses 2: 1 a 11. Disponível em: <http://www.academia.edu/8115505/Exegese_de_Filipenses_2_1_a_11_Henrique>. Acesso em: 09 de outubro de 2018.

Comentários

  1. Parabéns pela clareza de pensamento, muito bom o texto.
    Deus o abençõe maninho.

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