Deus e o dinheiro nivelados por decreto

Com a edição do decreto 10.292 de 25 de março de 2020, Bolsonaro passou a determinar as atividades religiosas e o jogo de azar como essenciais ao público.

Foto: Marcos Corrêa/PR

Diante da incerteza global gerada pela pandemia de Covid-19, assim classificada pela OMS, os brasileiros têm sido obrigados a enfrentar um comportamento errático e inconsequente de seu Presidente, contrariando as medidas restritivas de isolamento social adotadas pelos Chefes de Governo no mundo todo.

Em mais um episódio de seu ímpeto delirante, o Presidente editou novo decreto, desta feita disciplinando o anterior (dec. 10.282/2020) e a Lei federal 13.979/2020. A alteração se refere à adição de atividades religiosas e lotéricas ao art. 3º do decreto 10.282/2020, que passa a ter a seguinte redação:

"XXXIX - atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde; e

XL - unidades lotéricas".

Contudo, a inclusão de atividades religiosas e lotéricas no rol de atividades essenciais configura verdadeira aberração normativa, vez que o § 1º, do art. 3º do próprio decreto alterado, define inequivocamente como essenciais aquelas atividades afeitas à sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tal como transcrito:

"Art. 3º As medidas previstas na Lei no 13.979, de 2020, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o § 1º.

§ 1º São serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais como:"

Assim sendo, vê-se que o Presidente lança mão de um instrumento normativo para dar feições vitais à atividades cuja natureza não lhes confere o grau da impreteribilidade. Pior, ele conjuga atividades díspares no mesmo ato aditivo, revelando que, ao fim, a política pública que institui se guia majoritariamente por seus fins econômicos, justamente neste momento excepcional em que o cuidado com o social é deveras imperativo.

A bem do que foi dito, para o Presidente parece certo que Deus e o dinheiro são essencialmente lucrativos, noção que representa, essa sim, o real perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população do Brasil.

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