Uma abordagem cristã à polarização política atual nas igrejas

O abuso de poder religioso associado à demonização de orientações político-ideológicas introjetou uma relação idólatra com políticos nas igrejas evangélicas brasileiras da atualidade.

1. A POLARIZAÇÃO POLÍTICA DENTRO DAS IGREJAS NA ATUALIDADE

O atual contexto político brasileiro é por demais complexo para os modestos limites deste texto. Contudo, para fins de praticidade, pode-se retroceder aos protestos de rua em 2013, gerados por grande insatisfação com a economia, escândalos de corrupção envolvendo o Partido dos Trabalhadores (PT), o então partido de situação, e sucessivos erros políticos da ex-presidente Dilma Rousseff.

Após o impeachment de Dilma, em 2016, o clima de fervura política e frustração social não diminuiu. Enquanto isso, um pouco conhecido deputado federal, Jair Bolsonaro, lentamente galgava caminho em suas aspirações a uma candidatura à Presidência da República. Nesse processo, viu-se um tipo de ressurgimento da direta política brasileira, e com ela, uma eclosão de diversos movimentos sociais ganharam as ruas.

Jair Bolsonaro acabou por canalizar bem essas forças políticas e de insatisfação social, sagrando-se presidente eleito em 2018. Todavia, aquela campanha eleitoral marcou a ascensão da ala evangélica na política nacional.

Naquele ano, com a afirmação da capacidade de mobilização eleitoral dos evangélicos, veio uma trágica união com Bolsonaro. O então deputado foi anunciado pela majoritária parcela das igrejas do país como "o candidato da Igreja Evangélica", vez que encarnaria os ideais do conservadorismo cristão e, ao mesmo tempo, seria o candidato capaz de vencer o PT. Entre seus motes de campanha estavam: "Deus, Pátria e Família" e, o mais conhecido, "O Brasil acima de tudo. Deus acima de todos".

O clima antipetista aliado à truculência da direita, corporificada no presidente Bolsonaro, trouxeram consequências nefastas. Cristãos discutiram e se agrediram nas redes sociais, desfizeram amizades e mergulharam no clima de polarização política que tomou o país. Nunca antes a igreja brasileira havia dado tamanha mostra de intolerância e os resultados de tudo isso podem ser sentidos até a presente data.

2. UMA PROPOSTA DE CONVIVÊNCIA NA POLARIZAÇÃO

Não se trata de aqui defender posicionamentos de direita ou esquerda. O cenário descrito acima se encaixa razoavelmente na objetividade científica que se espera de um trabalho acadêmico. Dessa forma, como bases para uma proposta cristã de abordagem à questão, serão elencados alguns princípios norteadores para uma boa convivência cristã nesse período de polarização política vivenciado nos círculos evangélicos do país.

Inicialmente, é preciso fomentar uma Eclesiologia fundamentada na diversidade. A correta compreensão do corpo de Cristo é basilar tanto para o estabelecimento de uma espiritualidade equilibrada, como para o cumprimento salutar da missão. A multiforme sabedoria de Deus tem expressão em Sua Igreja, o corpo místico do Senhor (Ef 3:10).

Conforme as imagens das epístolas paulinas, a Igreja é apresentada como corpo, lavoura e edifício, entre outras (1Co 3:9; 12:12). Tais figuras denotam a organicidade de elementos em conjunção. Uma boa Eclesiologia gira em torno da diversidade, valorizando os diferentes dons e funções dos membros do corpo de Cristo ao invés de hegemonizar alguns. A estrutura do corpo demanda interdependência, de modo que haja unidade na diversidade (1Co 12:24–25).

O pastor deve usar o púlpito para cultivar uma cultura de valorização às diferenças do corpo. A Eclesiologia da Igreja deve ser construída sob o parâmetro do amor, que vincula todos à paz (Ef 4:3). Regada pela cultura da diversidade, tal Eclesiologia combate as divisões, o culto à personalidade e o preconceito religioso. A Igreja é um ambiente de cooperação.

Em seguida, é necessária a promoção de espaços para o pluralismo de ideias. Embora existam aspectos inegociáveis na fé cristã, nem todas as áreas da vida humana estão previamente doutrinadas nas Escrituras. O Cristianismo não dispõe um Manifesto Político.

Desse modo, a Igreja é um lugar de diversidade de pensamentos. Como entidade ligada às instituições públicas do país, a igreja local deve propiciar aos seus membros liberdade ideológica e de consciência, proporcionando a convivência de ideias divergentes, como é o caso da opção por distintas vertentes políticas.

Além disso, deve-se atentar para o perigo da cultura de gueto denominacional. Mesmo o entendimento do evangelho realizado pelos Batistas, que acertadamente reúne os pontos cruciais do Cristianismo, não deve servir de óbice para o diálogo. A igreja local deve estimular o conhecimento da história e doutrinas denominacionais sem divorciá-lo da percepção de outras visões de mundo. A instituição eclesiástica deve ser um espaço de compreensão.

3. POR UMA CULTURA DE TOLERÂNCIA CRISTÃ

Ao final, é preciso ainda cuidar da manutenção de uma cultura de tolerância cristã. Um dos sintomas mais gravosos de uma espiritualidade doentia é a rivalidade (Tg 3:18 - 4:2). O cristão deve discernir as coisas que deve combater e as coisas das quais deve fugir. Batalhar pela fé não autoriza ninguém a vociferar uma guerra "santa".

Em ambientes diversificados, é natural haver alguns atritos decorrentes da convivência quotidiana. No entanto, a Igreja é um centro de pacificação social, disciplinando seus integrantes no trato com as cobiças interiores, através da confissão de pecados e do exercício do perdão mútuo.

O contexto de polarização política introjetou nas igrejas evangélicas o discurso da supremacia da opinião pessoal. Essa tese tomada como incontestável por se tratar de foro individual é uma deslavada mentira, que tem precipitado vários cristãos sinceros em atos e atitudes violentas e desrespeitosas. Essa pauta infernal deve ser veementemente combatida, uma vez que todo pensamento deve ser levado cativo à Cristo (2Co 10:5).

A tolerância é uma modo de amar o outro e um constante exercício de humildade. É ceder naquilo que não é essencial, para o bem coletivo.

Limitando-se aos princípios fundamentais do Cristianismo expostos nas Escrituras, apoiando-se em importantes documentos doutrinários, como a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira e o Pacto das Igrejas Batistas, é possível promover um ambiente rico e plural em ideologia política dentro das igrejas evangélicas brasileiras.

Comentários

  1. Texto informador,e contribuidor para estimular a pacificação neste atual momento político.

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