Os Hasmoneus: O ressurgimento do zelo religioso judeu e luta pela independência política da Palestina

Imagem: João Hircano, postada por Jorge Lima.


1. ORIGEM
Remontar às origens de um movimento histórico complexo como o que aqui se propõe fazer é indivorciável de uma mínima aproximação dos seus marcos fundantes mais incisivos.

O período Hasmoneu foi motivado pela nefasta dominação síria, deflagrada sob o reinado de Antíoco IV, o Epífanes. Abrange 104 anos (167–63 a.C.), sendo caracterizado por guerrilhas, perseguições e sacrifícios, findando com longo momento de paz e independência (TOGNINI, 2009, p. 95)⁠.

Conforme Packer, Tenney e White Jr., uma boa abordagem ao período intertestamentário pode retroceder à desagregação das Doze Tribos de Jacó. Esses autores observam, acertadamente, que a rivalidade entre descendentes se perpetuava com o surgimento de divisões sectárias que acompanhavam as famílias (1994, p. 81)⁠. Aqui jazia latente a luta pela manutenção da pureza da fé judaica.

Após o Exílio babilônico, os judeus tiveram grandes dificuldades com a difusão da cultura helenista na Palestina. Com a ascensão do reino Selêucida na Síria, o judaísmo enfrentou forte oposição por parte de Antíoco IV (Epifânio). De acordo com Hale, Broadus e David, ele havia passado doze anos em Roma como refém, sendo saturado com a cultura grega e o legalismo romano. Ao assumir o trono, decide unificar o império a todo custo, estabelecendo o politeísmo grego como religião estatal. Em Jerusalém, os judeus mais influentes estavam inicialmente simpáticos à helenização através do sumo sacerdócio corrupto (1983, p. 10)⁠.

Ocorreu que, vendo-se obrigado a pagar um pesado tributo ao imperador romano, Antíoco IV resolveu levantar dinheiro com a venda do ofício de sumo sacerdote judeu. Primeiro, o cedeu a Jasão. Dois anos mais tarde, Menelau ofereceu 300 talentos mais pelo cargo. Antíoco depôs Jasão e colocou Menelau em seu lugar (PACKER; TENNEY; JR., 1994, p. 87)⁠.

O ponto de saturação se deu com uma intriga entre Antíoco e Ptolomeu. Antíoco IV culpou os judeus pela derrota de sua incursão no Egito. Entrando em Jerusalém, sacrificou um porco no altar, dedicou ali um altar a Zeus, além de confiscar e queimar cópias da lei. Puniu também a posse de cópias da lei e a prática da circuncisão com a morte. Declarou ilegal a observância do sábado. E em dezembro de 168 a.C., o sacrifício do templo cessou (HALE; BROADUS; DAVID, 1983, p. 11)⁠.

Porém, havia judeus enfurecidos com tais afrontas e dispostos ao confronto armado. A resistência iniciou numa aldeia próxima à Jerusalém. Em Modein (ou Modin), o idoso Matatias matou um judeu e o oficial sírio que o supervisionava para o sacrifício real, conclamando os que fossem zelosos pela lei a revoltarem-se contra os sírios (DOUGLAS, 2006, p. 832)⁠. Dessa forma, um grupo de rebeldes viria a se juntar à Judas Macabeu, filho de Matatias, num período que ficou conhecido por Guerras Macabeias.

2. DESENVOLVIMENTO
A revolta dos Macabeus está ligada aos insurgentes que se reuniram em torno de Matatias. Como afirmam Hale, Broadus e David, já em avançada idade, Matatias teve cinco filhos: João, Simão, Judas, Eleazar e Jonatã (ou Jônatas). Ao seu chamado às armas responderam judeus de toda a Palestina, insatisfeitos com a helenização de Antíoco IV e a corrupção do sacerdócio. Muito antes, porém, os hasidim haviam se unido a ele (1983, p. 11)⁠.

O início se deu num rompante. Reunindo seus filhos, Matatias foge para as montanhas para ampliar seu pequenino exército, defender-se dos sírios e proteger o povo judeu. Logo, muitos juntaram-se na luta pela independência política e religiosa (TOGNINI, 2009, p. 104)⁠.

No decurso das Guerras Macabeias, os judeus recuperaram territórios da Palestina. Ao tempo de Jônatas, que sucedeu Judas, conseguiu-se um tratado de intervenção romana, caso os sírios fizessem guerra geral contra os judeus. Assim, os Macabeus controlaram a majoritária parte da Terra Prometida, fazendo de Simão o sumo sacerdote. A família de Simão estabeleceria a nova linhagem sacerdotal (PACKER; TENNEY; JR., 1994, p. 88–89)⁠.

Com Simão, iniciou-se um período de declínio, classificado por alguns como “Hasmoneus Posteriores”. Há dissenso entre os estudiosos com relação ao marco inicial da dinastia Hasmoneana. Para todos os efeitos, trata-se da mesma família, cujos filhos de Simão e, consequentemente, netos de Matatias, representam o declínio moral no período de retomada da independência político-religiosa.

Em 135 a.C., Simão foi assassinado por seu genro. Seu filho, João Hircano, foi temporariamente forçado a submeter-se ao império Selêucida que, por sua vez, estava se desintegrando. Na ocasião da morte de Hircano, o reino judaico havia alcançado sua maior extensão desde os tempos salomônicos. Com a ascensão do Aristóbulo, filho de Hircano, tem-se a triste história de intrigas e assassinatos que varreu a família Hasmoneana e tornou o estado judaico presa fácil para o crescente poder romano (DOUGLAS, 2006, p. 833)⁠.

Contudo, o sangue hasmoneu ainda se perpetuaria por muitas gerações. Segundo alguns estudiosos, a dinastia Hasmoneana começou com Simão, terminando com Antígono, que foi executado por Marco Antônio em 37 a.C. Herodes, o Grande, um idumeu, fortaleceu suas reivindicações ao trono ao casar-se com a última das princesas hasmoneanas, Mariamne (CHAMPLIN, 2013, p. 39)⁠.

3. FATOS RELEVANTES
3.1. Os nomes “Hasmoneus” e“Macabeus”
Há certa dificuldade em apontar a origem exata do termo que daria nome ao clã. Matatias era da linhagem de um certo Asamoneu ou Chasmon (Hasmon). Daí veio o nome da família. (HALE; BROADUS; DAVID, 1983, p. 11)⁠. Segundo sustenta Tognini, Hasmon foi bisavô de Matatias, pai de Judas Macabeu (2009, p. 95)⁠.

Por sua vez, Makkabaios era a forma grega do nome de Judas ben Matatias, que significaria “o martelador” ou “o extirpador” e cuja aplicação foi estendida à sua família e também a seu partido. De acordo com Josefo, o nome da família era Hasmon, o que explica o título “hamoneanos” da literatura rabínica (DOUGLAS, 2006, p. 831–832)⁠.

3.2. Os hassidim
Um movimento curioso pode ser percebido no bojo da Guerras Macabeias. Josefo e outros historiadores observam que um grupo chamado hassidim juntou-se aos macabeus. Os hassidim (em hebraico “santos”) eram homens que dedicavam piedosa devoção à Lei de Moisés. Desejavam o direito de observar a Lei novamente, mas não tinham interesse em reestabelecer o poder político para conseguir esse intento (PACKER; TENNEY; JR., 1994, p.88)⁠.

Embora haja muita discussão quanto à possibilidade de traçar-se a origem da seita dos fariseus do Novo Testamento , os hassidim (ou hasidim) certemente estão ligados a ela. Segundo Tognini, os macabeus sempre perteceram aos “assideus” ou “chassideus” (mais tarde chamados de “fariseus”), partido conservador de seu povo. Hircano foi, porém, saduceu e perseguiu os fariseus (TOGNINI, 2009, p. 123)⁠.

3.3. O Hanucá
No período de Judas Macabeu, o reino Selêucida sofreu derrotas esmagadoras. No ano de 165 a.C., por meio de Judas, os abomináveis decretos que impediam a observância do sábado e a pratica da Lei foram retirados.

No evento, Judas marchou para Jerusalém com grande júbilo, onde promoveu a purificação do Templo e a adoração a Deus foi restaurada (DOUGLAS, 2006, p. 832)⁠. O acontecimento é comemorado até hoje, na festa que foi chamada de Hanucá, que significa “Dedicação”.

4. PRINCIPAIS LÍDERES
4.1. Dos Macabeus (hasmoneus anteriores)
4.1.1. Matatias
Matatias (167–166 a.C.) foi o vanguardista da família hasmoneana que instigou no povo judeu o zelo patriótico e religioso.

Foi um sacerdote do turno de Jeoairibe, o primeiro de 24 turnos sacerdotais. Recusou-se a oferecer sacrifícios pagãos determinados pelo monarca selêucida e rebelou-se contra o processo helenizador da Palestina. Ao abater um judeu que ofereceria sacrifício pagão, convocou os demais do povo a acompanhá-lo na revolta. Fugiu com seus filhos e organizou um exército com considerável número de judeus. Por ser idoso, não demorou muito a falecer, sendo sepultado no túmulo de seu pai, em Modin (CHAMPLIN, 2013, p. 40)⁠.

4.1.2. Judas Macabeu
Judas (166–161 a.C.) foi um arguto comandante militar, surpreendendo as tropas selêucidas com um exército aguerrido.

Após a morte de Matatias, seu filho Judas Macabeu mostrou-se um líder habilidoso ao conquistar batalhas decisivas contra o sírios numericamente superiores. Em 165 a.C., Lísias, regente de Antíoco IV, não teve opção senão ceder aos termos de paz e retirar os decretos que tolhiam o judeus (DOUGLAS, 2006, p. 832)⁠.

Judas foi nomeado por Matatias, antes deste morrer. Por causa de seu apelido de Macabeu, os hamoneanos passaram a ser chamados assim. Destacou-se na guerra de guerrilhas nas montanhas, mas derrotou Apolônio e Serom em batalhas campais. Após vencer Lísias, conseguiu ocupar Jerusalém e purificar o templo três anos após sua profanação. Acabou morto em batalha em 161 a.C., sendo sepultado em Modin (CHAMPLIN, 2013, p. 40)⁠.

4.1.3. Jônatas
Jônatas (161–144 a.C.) era o mais novo dos cinco filhos de Matatias.
Após a morte de Judas, o partido dos Macabeus foi assumido por Jônatas. Ele explorou a fragilidade interna no império Selêucida e tornou-se virtualmente governante da Judeia. Candidatos ao trono Selêucida disputavam seu apoio, até que Alexandre Balas o nomeou sumo sacerdote em 153 a.C., bem como governador militar e civil em 150 a.C. (DOUGLAS, 2006, p. 832)⁠.

Jônatas aliou-se a Antíoco VI a fim de conservar seu poder. Acabou morrendo traiçoeiramente à espada em 144 a.C., vitimado por Trífom, que fingiu-se seu aliado (CHAMPLIN, 2013, p. 40)⁠.

4.2. Dos Hasmoneus (posteriores)
4.2.1. Simão
Simão (144–135 a.C.) foi um ousado estrategista político que conquistou até mesmo o sacerdócio judaico.

Foi o último sobrevivente dos filhos de Matatias. Conseguiu praticamente a soberania da Judeia. Sob seu comando, os sírios foram expulsos da fortaleza de Akra, a Judeia expandida aos territórios circunvizinhos e um período de paz e prosperidades foram estabelecidos (DOUGLAS, 2006, p. 832–833)⁠.

Através de estratégia política e ameaças militares, Simão aproveitou a disputa interna entre Trífom e Demétrio II. Ele deu seu apoio a Demétrio e conseguiu deste o governo da Judeia, isenção de impostos estrangeiros e relativa paz. Tornou-se herdeiro do sacerdócio com a deserção de Onias, para o Egito. Acabou sendo assassinado junto com dois de seus filhos por Ptolomeu, em 135 a.C. (CHAMPLIN, 2013, p. 40)⁠.

4.2.2. João Hircano
João Hircano (135–106 a.C.) foi o segundo filho de Simão, demonstrando grande astúcia em equilibrar as forças políticas internas.

O primeiro ato de Hircano foi perseguir Ptolomeu, executor de seu pai. Foi forçado a desistir de seu cerco ao ver sua mãe torturada pelo facínora que, depois de a matar, fugiu. Hircano também enfrentou dificuldades com Antíoco VII, o Sidetes. Contudo, Sidetes morreu em batalha contra os partas e Hircano se viu, de repente, livre dos sírios (TOGNINI, 2009, p. 122)⁠.

João Hircano conquistou a Idumeia e a Samaria, estabelecendo uma aliança com os romanos. Porém, as divisões partidárias entre os judeus corrompiam seu governo. Em seu tempo os partidos políticos se realinharam. Os hasidim vieram a se tornar os fariseus. Os essênios parecem originar-se nesse período. Igualmente os saduceus, que se tornaram substitutos dos helenizadores, recém expelidos. Hircano acabou favorecendo os saduceus, de tendência mais secular e pró-helenista. Foi o único governante hasmoneano a morrer naturalmente, em 104 a.C. (CHAMPLIN, 2013, p. 40–41).

4.2.3. Aristóbulo
Aristóbulo (106–105 a.C.) foi o segundo filho de Hircano, revelando um ímpeto sanguinário e suicida que varreu a família hasmoneana.

João Hircano teve diversos filhos, dentre os quais Judas, Matatias e Jônatas. Por conta de suas tendências helenistas mudou-os para Aristóbulo, Antígono e Alexandre Janeu, respectivamente (TOGNINI, 2009, p. 125)⁠.

Aristóbulo lutou contra quatro de seus irmãos pelo poder. Atingindo-o, lançou sua mãe e seus irmãos na prisão, onde morreram de inanição. Assassinou Antígono no palácio. Com Aristóbulo, a dinastia Hasmoneana caiu em total decadência moral. Em seu breve período, chegou a conquistar a Galileia judaizada e anexou a área perto das montanhas do Líbano. Morreu por alcoolismo, enfermidades e temor de rebeliões. Foi o primeiro dos hasmoneanos a declarar-se rei. Tal uso continuou, até que os romanos puseram fim à dinastia (CHAMPLIN, 2013, p. 41)⁠.

5. COMENTÁRIO PESSOAL
O estudo da dinastia Macabeia/Hasmoneana é de inquestionável importância para o entendimento do contexto político-religioso dos tempos de Jesus. Além de tratar-se de parte fundamental na ligação interbíblica dos dois Grandes Testamentos, a dinastia Hasmoneana representou o ressurgimento do zelo religioso judeu e luta pela independência política da Palestina.

O período de aproximadamente 100 anos deu azo a uma repulsa declarada do povo judeu à dominação estrangeira. De modo incisivo, diversas foram as manifestações de rebelião contra as tentativas de helenização da Terra Prometida. Foi nesse ínterim que surgiram as principais seitas religiosas judaicas, como os fariseus, os saduceus e o essênios.

Isso posto, não é demais afirmar que a dinastia Hasmoneana cravou um ideal de nacionalismo judeu. As conquistas políticas e anexações de territórios espelhavam-se nos áureos tempos davídicos, reascendendo a esperança no Reino Messiânico.

No mundo do Novo Testamento, a Igreja está imersa nesse ambiente de conflitos. Quando Jerusalém cai em 70 d.C., a Diáspora judaica podia trazer a saudosa lembrança das conquistas macabeias, enquanto os cristãos viam na Dispersão o cumprimento profético das palavras do Mestre. Na Igreja surge o zelo pela verdadeira religião e o ímpeto de sair pelo mundo combatendo o bom combate da fé cristã.

6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. 11a ed. São Paulo: Hagnos, 2013. V. 3.
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. 3a ed. São Paulo: Vida Nova, 2006.
HALE; BROADUS; DAVID. Introdução ao estudo do Novo Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1983.
PACKER, J. I.; TENNEY, M. C.; JR., W. W. O Mundo do Novo Testamento. 3a impress ed. São Paulo: Editora Vida, 1994.
TOGNINI, E. O Período Interbíblico. 1a edição ed. São Paulo: Hagnos, 2009.

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