2. O PROCESSO HISTÓRICO DA CANONICIDADE DA ESCRITURA SAGRADA
2.1. A IMPORTÂNCIA DA DOUTRINA DA CANONICIDADE
Inspiração e canonicidade são conceitos que não se confundem, mas que estão diretamente vinculados. De modo sagaz, Harris nota que muito se tem escrito sobre inspiração, mas a doutrina das Escrituras permanece incompleta enquanto a doutrina do cânon [4] não é considerada (2004, p. 122). Assim, segundo um bom critério de proporcionalidade, a canonicidade bíblica deve receber melhor consideração no estudo da Bíblia.
Seguindo-se uma sequência de transmissão, a canonicidade procede a inspiração como a etapa de estabelecimento de quais escritos foram inspirados por Deus. Em outros termos, canonicidade é a análise do processo no qual os livros inspirados foram definitivamente reconhecidos como tal e coligidos como Palavra Divina (GEISLER; NIX, 2000, p. 63).
O processo histórico no qual o conjunto de critérios surgiram para o estabelecimento da canonicidade bíblica reclama distinta elucidação. A Bíblia tomada como um todo tem sido acolhida intuitivamente como Palavra de Deus pela grande maioria dos cristãos sinceros no decorrer da História, o que não obsta a existência de razões plausíveis por detrás deste julgamento instintivo (HARRIS, 2004, p.124).
Necessário, pois, determinar a precisa ligação entre inspiração e canonicidade. A inspiração divina é determinante para a canonicidade. Por outra banda, o escrito revestido de autoridade pela inspiração é aceito como tal pela Igreja. Desse modo, Deus revela e Seu povo reconhece (GEISLER; NIX, 2000, p. 67).
2.1.1. Questões preliminares
Tomando-se a Bíblia como um conjunto de 66 livros, composto por 40 autores diferentes, num período aproximado de 1.600 anos (MEARS, 1997, p. 9), infere-se de imediato ao menos duas questões.
A primeira, concernente a sua mens interna, refere-se ao escopo global das Escrituras, visto que nem os escritores inspirados nem o povo que coligiu os livros tinha plena consciência de sua participação para a unidade funcional e teleológica de cada livro dentro da Bíblia (GEISLER; NIX, 2000, p. 75).
A segunda, de matiz externa, refere-se à razão de determinada coletânea particular ter sido reunida e aceita como Bíblia (HARRIS, 2004, p. 125). Da satisfatória resposta à última questão surgirá elementos para compreender-se melhor a primeira. Retomando-se as lições de Geisler e Nix, em seguida, abordar-se-á três elementos do processo de canonicidade da Bíblia.
2.1.2. Os passos no processo de canonização
De modo sintético, há três estágios que cobrem a história da canonicidade bíblica. A inspiração surge como passo inaugural, sendo iniciativa de Deus. Após dada a divina autenticidade e autoridade ao escrito, o povo de Deus o reconhecia como tal. Alfim, cabia ainda ao povo compilar e colecionar a Palavra de Deus (2000, p. 76).
2.2. BREVES NOTAS SOBRE A CANONICIDADE DO ANTIGO TESTAMENTO
Numa incursão pela história da canonização, questiona-se se o processo se referiria, antes, ao desenvolvimento da própria ideia de canonicidade. Entretanto, o cânon bíblico é que obviamente foi um desenvolvimento, bastando perceber que compreendeu o período milenar de composição dos livros do Antigo Testamento e o pouco mais de meio século para os do Novo Testamento (HARRIS, 2004, p. 125).
2.2.1. A compilação progressiva dos livros do Antigo Testamento
No que concerne ao cânon do Antigo Testamento, não é possível remontar uma história completa e detalhada. Todavia, há dados suficientes para se traçar uma estrutura de amplo espectro, que ofereça uma explicação consistente.
Nesta senda, a evidência interna aponta para o fato de que os escritos proféticos eram guardados e colecionados pelo povo de Deus como sagrados e inspirados (Dt 31:24-26; 2Rs 22:8; Ez 13:9), procedimento que é confirmado pelo uso específico que profetas posteriores fizeram dos escritos dos profetas mais antigos (1Cr 2:12, 13; Dn 9:2; Ez 14:14, 20) (GEISLER; NIX, 2000, p. 81-82).
2.2.2. A influência do profetismo no cânon do Antigo Testamento
Conforme sobredito, é possível presumir razoavelmente que houve uma cadeia de continuidade na coletânea dos 39 livros do Antigo Testamento. Prelecionam Geisler e Nix que, perpassando Moisés e Josué, a continuidade profética contribuiu para a perpetuação da crescente coleção de escritos, desde a escola dirigida por Samuel até Neemias (op. cit., 2000, p. 82-84).
Consequentemente, o profetismo está ligado a cada estágio da história de Israel no Antigo Testamento, não apenas no que diz respeito a enunciação da mensagem profética, como também figura indiciário da progressiva compilação de livros por parte da comunidade judaica.
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[4] O conceito de cânon remete ao padrão adotado como razão de julgamento. Por volta de 350 d.C., o conceito bíblico de cânon já estava em perceptível desenvolvimento. A Bíblia era tida como cânon de julgamento de todas as coisas, assim também cânon significava baliza para reconhecimento dos escritos divinamente inspirados (GEISLER; NIX, 2000, p. 122).
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