Período Interbíblico: O conjunto de acontecimentos históricos que preparou o mundo para a plenitude dos tempos
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1. FATOS HISTÓRICOS INTRODUTÓRIOS
A chamada Era Intertestamentária é de importância crucial para a boa compreensão do desfecho do Antigo Testamento e o seu elo de ligação com o Novo Testamento. Assim, trata-se de conteúdo histórico, geopolítico e cultural imprescindível ao estudante das Escrituras.
À guisa de introdução ao período, pode-se retroceder à desagregação do reino de Israel e suas consequências.
Segundo explicitam Packer, Tenney e White Jr., após a morte de Salomão seguiu-se uma violenta guerra civil, dividindo a nação nos reinos de Israel e de Judá. Ambos caíram na idolatria, ignorando a convocação ao arrependimento dos profetas do Senhor. Ao fim, os inimigos destruíram os dois, Israel pela Assíria em 723 a.C. e Judá pela Babilônia em 586 a.C., com períodos próprios de exílio. O grupo judeu retornou numa primeira leva em 538 a.C., chegando a reconstruir o templo. Mas o velho comportamento pecaminoso reapareceu, e ouve-se o profeta Malaquias encerrando o Antigo Testamento com a condenação dos pecados do povo (1994, p. 9–10).
Do mesmo modo, Tognini observa que o Período Interbíblico é o intervalo de nada menos que 400 anos entre a promessa do precursor do Messias (Ml 3.1) e o seu cumprimento (Mt 3.1). Esses anos caracterizam-se pela cessação da revelação bíblica, o silêncio profundo em que Deus se pôs em relação ao seu povo (2009, p. 15–16).
Portanto, o Período Intertestamental é o tempo de aproximadamente 400 anos entre Malaquias, o último dos livros do Antigo Testamento, e o período do Novo Testamento (ERICKSON, 2011, p. 150).
2. SITUAÇÃO GEOPOLÍTICA
Há certo consenso entre os estudiosos de que as principais fontes sobre o Período Interbíblico são extraídas da literatura apócrifa, sobretudo o livro de Macabeus, e dos escritos de Flávio Josefo (PACKER; TENNEY; JR., 1994, p. 10; TOGNINI, 2009, p. 20). Desde os tempos mais remotos, a Palestina foi palco de disputas por ser território das principais rotas comerciais do Oriente, ligando Mesopotâmia e Egito.
A situação geopolítica intertestamentária foi de sucessivas conflagrações e conflitos entre diferentes povos, de modo que o Período Interbíblico pode ser analisado sob quatro períodos distintos: o período persa (430–322 a.C.); o período grego (321–167 a.C.); o período da independência (Macabeu: 167–63 a.C.); e o período romano (63 a.C. até Jesus Cristo) (CHAMPLIN, 2013, p. 248).
2.1. PERÍODO PERSA
O cativeiro babilônico chegou ao fim, sob o edito de Ciro, rei da Pérsia (536 a.C.). Ciro adotou uma política tolerante aos povos cativos, permitindo o regresso à terra natal e a reedificação do templo. Dentre as notáveis mudanças no contexto judeu são relacionadas: o abandono da idolatria, a adoção do aramaico como língua popular e o estabelecimento da sinagoga (MONEY, 2005, p. 180–181).
A Pérsia foi uma grande potência mundial no transcurso de quase 200 anos. Nomes como Artaxerxes I, Xerxes III, Dario II e Artaxerxes II soam familiares. O império veio a cair sob Dario III, em cerca de 331 a.C. (CHAMPLIN, 2013, p. 248).
2.2. PERÍODO GREGO (MACEDÔNICO)
Seguiu-se a ascensão de Alexandre ao poder diante de um império vasto, estendido sobre toda a Grécia. Sucedendo seu pai, Alexandre, o Grande, acabou com o domínio da Pérsia. Seu reinado teve 12 anos, incluindo a Síria, a Palestina e o Egito em sua extensão (PACKER; TENNEY; JR., 1994,p. 11).
Alexandre tratou os hebreus com distinta benevolência, isentando-lhes os tributos nos anos sabáticos, conferindo-lhes liberdade de culto e de governo. No entanto, após sua morte prematura, seu império foi fracionado entre seus generais, sendo o Egito e a Síria os que permaneceram mais politicamente ligados à Palestina (MONEY, 2005, p. 182). Entretanto, havia disseminado a cultura e a língua grega por toda a parte.
2.2.1. Os Ptolomeus
O Egito ficou com Ptolomeu Sóter, que foi inicialmente duro com os judeus, mas depois empregou-os em várias partes de seu governo em altos postos. Ptolomeu Filadelfo o seguiu, sendo amável com os judeus. Em seu período, as Escrituras Hebraicas foram traduzidas para o grego: a Septuaginta (LXX). Com Filópater iniciou-se uma perseguição aos judeus, até que veio a morrer em 204 a.C., deixando seu filho Ptolomeu Epifânio para sucedê-lo, com apenas 5 anos de idade (PACKER; TENNEY; JR., 1994, p. 11).
2.2.2. Os Selêucidas
Em 198 a.C., Antíoco III (o Grande) tomou a Palestina dos Ptolomeus. Sob Antíoco IV deu-se uma sanguinária política de helenização, a mais nefasta. No ano de 167 a.C., a Lei foi declarada abolida, a guarda do sábado foi proibida, o templo profanado com adoração à Júpiter e parcialmente destruído. Contudo, essa política serviu para fracionar a unidade do território e se destinou ao fracasso (MONEY, 2005, p. 183).
2.3. PERÍODO MACABEU
A revolta dos Macabeus está ligada aos insurgentes que se reuniram em torno de Matatias (falo de modo mais completo aqui). Como afirmam Hale, Broadus e David, já em avançada idade, Matatias teve cinco filhos: João, Simão, Judas, Eleazar e Jonatã (ou Jônatas). Ao seu chamado às armas responderam judeus de toda a Palestina, insatisfeitos com a helenização de Antíoco IV e a corrupção do sacerdócio (1983, p. 11).
No decursso das Guerras Macabeias, os judeus recuperaram territórios da Palestina. Ao tempo de Jônatas, que sucedeu Judas, conseguiu-se um tratado de intervenção romana, caso os sírios selêucidas fizessem guerra geral contra os judeus. Assim, os Macabeus controlaram a majoritária parte da Terra Prometida, fazendo de Simão o sumo sacerdote. A família de Simão estabeleceria a nova linhagem sacerdotal (PACKER; TENNEY; JR., 1994, p. 88–89).
Em 135 a.C., Simão foi assassinado por seu genro. Seu filho, João Hircano, foi temporariamente forçado a submeter-se ao império Selêucida que, por sua vez, estava se desintegrando. Na ocasião da morte de Hircano, o reino judaico havia alcançado sua maior extensão desde os tempos salomônicos. Com a ascensão do Aristóbulo, filho de Hircano, tem-se a triste história de intrigas e assassinatos que varreu a família Hasmoneana e tornou o Estado Judaico presa fácil para o crescente poder romano (DOUGLAS, 2006, p. 833).
2.4. PERÍODO ROMANO
Quando da morte de João Hircano, lutaram pelo trono vago seus dois filhos, Hircano e Aristóbulo. Os romanos, que já intervinham em socorro à Palestina há algum tempo, preferiram Hircano, e o general romano Pompeu tomou Jerusalém de Aristóbulo (PACKER; TENNEY; JR., 1994,p.14).
Em 63 a.C., Pompeu tomou a Palestina para os romanos. Antípatre (idumeu, outro nome para edomita) foi nomeado governador da Judeia (que incluia as regiões da Galileia, Samaria, Traconite e Peréia). Com Antípatre começa o governo dos Herodes. Sucedeu-o seu filho Herodes, o Grande. Muitos cosideravam a sucessão dos Herodes como o “Messias”. No tempo de Herodes, o Grande, é que Jesus nasceu. E foi no tempo do governo do tetrarca Herodes (Antipas, um dos filhos mais novos de Herodes, o Grande) que Jesus morreu e ressucitou (CHAMPLIN, 2013, p. 248).
3. RELIGIÃO PREDOMINANTE
Desde o exílio, a pureza da religião judaica foi duramente testada. Já o livro de Daniel relata como os exilados na Babilônia foram tentados a quebrar as leis cerimoniais e adorar os ídolos pagãos.
Como reação ortodoxa ao misticismo pagão que ameaçava a fé, os líderes judaicos instituíram a sinagoga, estabeleceram o cargo de rabi e deram ênfase à manutenção de um remanescente fiel. Tudo isso também contribuiu para criar novas facções (PACKER; TENNEY; JR., 1994, p. 82).
3.1. A SINAGOGA
A sinagoga nasceu na Babilônia. A lei começou a ser copiada, lida e interpretada por iniciativa dos escribas. Com a necessidade de prestar culto, reuniam-se ali sempre aos sábados, onde a Torá era lida e interpretada, e salmos de louvor eram cantados (TOGNINI, 2009, p. 181).
3.2. O SINÉDRIO
Por sua vez, a história do Sinédrio não é tão clara quanto outras instituições judaicas. Tradicionalmente se atribui sua origem aos setenta anciãos que assistiram Moisés, e Esdras supostamente teria organizado esse grupo após o exílio. Os gregos permitiram, mais tarde, a existência de um corpo conhecido como a gerousia (“senado”) que se compunha de anciãos e representava a nação (DOUGLAS, 2006, p. 1297).
Quando Esdras e Neemias morreram, a responsabilidade de instrução passou a um grupo de pessoas denominadas sopherim ou a “Grande Sinagoga”. No final da época da “Grande Sinagoga” é que o termo sinédrion (“concílio”) entrou em uso. Funcionava como suprema corte dos judeus, sendo o sumo sacerdote o seu presidente (HALE; BROADUS; DAVID, 1983, p. 13–14).
3.3. O ESCRIBISMO
Os escribas originaram o culto na sinagoga, alguns deles figuravam como membros do Sinédrio. Exerceram importantes funções, dentre as quais a preservação da lei, especialmente no período helenístico, quando o sacerdócio se corrompera. Transmitiam decisões legais orais criadas para a aplicação da lei mosaica, vindo a dar mais destaque à essa lei oral que à própria lei escrita. Reuniam em torno de si muitos alunos para a instrução. Eram chamados de “doutores da lei”, visto estarem incumbidos da administração da lei como juízes do Sinédrio (DOUGLAS, 2006, p. 456).
4. LITERATURA
A literatura no Período Interbíblico foi fortemente influenciada pelo helenismo pós-exílico, figurando como maior destaque a produção da Septuaginta. Contudo, o período foi de profícua produção. Vale ressaltar que a lista apresentada a seguir dos livros “pseudo-epígrafos” não é de modo algum exaustiva.
4.1. A LITERATURA APÓCRIFA
A literatura apócrifa surgiu entre os anos de Malaquias a João Batista. Auxiliam a precisar a cronologia dos livros do Antigo Testamento, revelam o ambiente helênico no qual foram escritos e ajudam na compreensão da história de Israel (TOGNINI, 2009, 22–23).
O termo apocrypha (“oculto”) é utilizado para certa relação de livros adicionados ao cânon do Antigo Testamento em sua forma na LXX que, apesar de não aprovados para o ensino público, têm valor para o estudo e edificação particulares (DOUGLAS, 2006, p. 86).
4.2. A QUESTÃO DOS APÓCRIFOS E PSEUDO-EPÍGRAFOS
Muitos são os tipos de literatura produzida no período, na forma de história, ficção, sabedoria, devocional e apocalíptica. Costumeiro agrupar-se esses escritos em Apócrifos (juntados com o Velho Testamento, na LXX) e os Pseudo-epígrafos (escritos durante o período, mas não juntados à LXX) (HALE; BROADUS; DAVID, 1983, p. 15–16).
4.2.1. OS APÓCRIFOS
Os apócrifos refletem distintas correntes rabínicas: a halákica ou jurídica e haggádica ou histórica. Escritos originalmente em aramaico e conservados somente em grego, dividem-se em três grupos: 1. Históricos — Livro dos Jubileus, Vida de Adão e Eva, Ascensão de lsaías, 3Esdras, 3Macabeus, O Testamento de Moisés, Eldade e Medade, História de João Hircano; 2. Didáticos — Testamento dos Doze Patriarcas, Salmos de Salomão, Ode de Salomão, Oração de Manasses e 4Macabeus; e 3. Apocalípticos — Livro de Enoque, Ascensão de Moisés, 4Esdras, Apocalipse de Baruque, Apocalipse de Elias, Apocalipse de Ezequiel e Oráculos Sibilinos (TOGNINI, 2009, p. 27).
4.2.2. OS PSEUDO-EPÍGRAFOS
Os Pseudo-epígrafos do Antigo Testamento contêm alguns extremos da fantasia religiosa judaica, datando de 200 a.C. a 200 d.C. Sobretudo, ressaltam um radiante futuro messiânico, contudo, com acontecimentos fantasiosos e ensinos altamente questionáveis, alguns heréticos. A coleção modelo contém 17 livros, (acrescente-se o salmo 151, que se encontra na LXX). A lista principal é a seguinte: Lendários — O livro do Jubileu, Epístola de Aristéias, O livro de Adão e Eva, O martírio de Isaías. Apocalípticos — 1Enoque, Testamento dos doze patriarcas, O oráculo sibilino, Assunção de Moisés, 2Enoque, ou O livro dos segredos de Enoque, 2Baruque, ou O apocalipse siríaco de Baruque, 3Baruque, ou O apocalipse grego de Baruque. Didáticos — 3Macabeus, 4Macabeus, Pirque Abote, A história de Aicar. Poéticos — Salmos de Salomão, Salmo 151. Históricos — Fragmentos de uma obra de Sadoque (GEISLER; NIX, 2000, p. 88–89).
5. COMENTÁRIO PESSOAL
Conforme exposto, a história do Período Interbíblico realça o firme fio condutor das promessas de Deus do Antigo ao Novo Testamento. As sucessivas mudanças na hegemonia de impérios, os desafios enfrentados pelo povo judeu na manutenção de sua fé fundamental, os remanejamentos geográficos, as alterações culturais e os conchavos políticos são mais claramente compreendidos sob esta ótica e premiam aqueles que se debruçam em seu estudo.
Portanto, o Período Intertestamental é a continuidade da atuação divina na história, nesse particular, preparando o mundo para o maior de todos os eventos presenciados pela humanidade, na plenitude dos tempos: a vinda salvífica do Filho de Deus, o Senhor Jesus Cristo.
Ao Autor de cada página dessa magnífica história, planejada e executada sob a mais sublime perfeição, sejam dadas toda a glória e o louvor, para todo o sempre.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. 11a ed. São Paulo: Hagnos, 2013. V. 5.
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. 3a ed. São Paulo: Vida Nova, 2006.
ERICKSON, M. J. Dicionário Popular de Teologia. 1a ed. rev ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2011.
GEISLER, N.; NIX, W. Introdução bíblica: Como a Bíblia chegou até nós. 3a impress ed. São Paulo: Vida, 2000.
HALE; BROADUS; DAVID. Introdução ao estudo do Novo Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1983.
MONEY, N. K. De. Geografia Histórica do Mundo Bíblico. 14a impress ed. São Paulo: Betânia, 2005.
PACKER, J. I.; TENNEY, M. C.; JR., W. W. O Mundo do Novo Testamento. 3a impress ed. São Paulo: Editora Vida, 1994.
TOGNINI, E. O Período Interbíblico. 1a edição ed. São Paulo: Hagnos, 2009.
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